Blog
A estratificação da população e as Unidades Locais de Saúde: duas faces da mesma moeda
Hugo Lopes, Engagement Manager IASIST, uma empresa do Grupo IQVIA
Sep 26, 2023

A proliferação das Unidades Locais de Saúde (ULS) tem sido, porventura, uma das medidas mais visíveis da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde. De acordo com as últimas notícias, serão 33 ULS que irão abranger mais de 80% da população.

Estas Unidades têm, sob a mesma Administração, a gestão dos cuidados de saúde primários e dos cuidados agudos. Outras, terão a seu cargo os cuidados continuados, numa ótica de integração de cuidados e melhoria do conhecimento e gestão da carga de doença da população que servem.

Surgem, assim, algumas questões de base:

  • É conhecida a real carga de doença da população que servem?
  • Existe um conhecimento integrado ou segmentado dessa população?
  • Será que a contabilização do número de pessoas com determinada condição médica é suficiente para afirmarmos que conhecemos, de facto, a população que servimos?

A resposta é não. Não basta saber o número de pessoas com determinada condição médica, é fundamental conhecermos a carga de doença (ou multimorbilidade) dessa mesma população.

O Sistema Adjusted Clinical Groups (ACGs) é um modelo de estratificação da população desenvolvido pela Universidade de Johns Hopkins, nos EUA, criado para superar as limitações de sistemas existentes, que geralmente se baseiam em categorias de diagnóstico específicas, sem considerar todas as comorbilidades do doente e respetiva utilização de serviços de saúde. O Sistema ACG integra, na mesma pessoa, todo o seu percurso pelo ecossistema de saúde: informação de diagnóstico (crónica e aguda), procedimentos cirúrgicos, consumo de medicamentos, assim como a utilização de serviços de saúde, consultas hospitalares e de cuidados primários, urgências, internamentos, entre outros.

A implementação de um modelo de estratificação da população, que permita descrição da natureza multidimensional da morbilidade de cada habitante, constitui um passo fundamental na adoção de uma metodologia centrada no doente. Ao avaliar a morbilidade e não apenas atividade (volume), a metodologia de ajustamento pelo risco utilizada pelo Sistema ACG permite caracterizar e agrupar a população em clusters com consumo de recursos similares. Desta forma, os decisores poderão definir e implementar políticas de saúde específicas para cada segmento da população, dirigidas às necessidades de cada (sub)população.

Considerando que 70% dos fatores que influenciam os resultados em saúde são sociais, económicos e comportamentos em saúde, mais do que uma nova reforma dos cuidados de saúde primários ou hospitalares, é fundamental que haja uma reforma dos Cuidados de Saúde Integrados. Esta passará, necessariamente:

  • Pela criação de um plano transversal que permita a interligação de políticas de prevenção e promoção da saúde;
  • Foco na avaliação da saúde da população, considerando a sua multimorbilidade crónica e aguda;
  • Foco na gestão da saúde da população através da definição de políticas específicas tendo em conta as características de cada subpopulação;
  • (re)definição de indicadores de desempenho partilhados entre cuidados primários e hospitalares, ajustados à morbilidade da população que servem;
  • (re)definição dos percursos dos doentes entre os diferentes setores de cuidados, numa ótica de maior eficiência e efetividade dos cuidados;
  • Adoção de um modelo de financiamento alinhado com as necessidades da população, que tenha em consideração, entre outros fatores, a sua multimorbilidade (ajustamento pelo risco), indicadores de privação, qualidade clínica e resultados reportados pelos doentes.

Posto isto, é vital para o sucesso das novas (e antigas) ULS a existência de um sistema que agregue toda esta informação no habitante, de forma integrada e não segmentada. É fundamental que os utentes (re)conheçam a importância desta nova forma integrada de prestação de cuidados, que os profissionais de saúde trabalhem em rede e não em silos, uma distribuição mais equitativa do financiamento, ajustado às necessidades de cada população. E que, no final se possa restaurar a confiança dos cidadãos no Serviço Nacional de Saúde.

Estaremos todos nós prontos para este novo modelo de gestão da saúde?

Contact Us